sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Andamento da tese de doutorado

Oi gente. Hoje vou falar um pouco do andamento do meu doutorado e da minha tese. Vou tentar explicar de modo que leigos também entendam. Bem, se não fosse assim, talvez muita gente da matemática não fosse entender direito, já que as coisas são muito diferentes entre uma área e outra.

A minha área de estudo se chama Geometria Algébrica. O geometria quer dizer que eu lido com objetos geométricos, como curvas (que têm dimensão 1), superfícies (que têm dimensão 2, como uma folha de papel, um lençol, etc) e outras de dimensão maior. A gente chama de variedade um desses objetos geométricos. O nome algébrica significa que utilizamos álgebra pra resolver nossos problemas geométricos. O que significa a tal álgebra é um pouco difícil de explicar, mas digamos que seja uma generalização dos conjuntos numéricos que conhecemos (como os números inteiros, que podemos somar, multiplicar e tal).

Por volta do século 18 e começo do século 19 a escola italiana era muito forte em geometria, uma geometria que é hoje conhecida como geometria clássica. É um estudo da geometria feito de um jeito muito bonito e interessante, quase somente com argumentos geométricos consideravelmente simples. Porém esses estudos não eram muito rigorosos e muitas vezes continham erros. Além disso muitas vezes davam resultados um pouco vagos, como um teorema que vale para um ponto geral de uma curva, sem dizer exatamente o que significa um "ponto geral".

Aí com o tempo os argumentos clássicos foram se tornando insuficientes, até que começou a aparecer uns caras que usavam álgebra para explicar coisas na geometria. Aí nasceu a geometria algébrica, uma área mais poderosa que a geometria clássica, e também mais precisa e mais "formal". Porém ela não tem a beleza da geometria clássica e é mais difícil.

Muitos trabalhos de antigamente, da geometria clássica, são de difícil compreensão hoje em dia, ou porque a linguagem está muito diferente, ou porque os argumentos não eram muito claros. Alguns matemáticos da geometria algébrica se dedicam a ligar esses dois mundos: o belo e nebuloso da geometria clássica com o rigoroso e abstrato da geometria algébrica.

Um dos matemáticos mais entendidos da geometria clássica é, como deveria ser, um italiano. Ele é o Ciro Ciliberto:


É o da esquerda, não da direita, viu? Felizmente ele é o meu orientador, e é um matemático que admiro muito. Além de ele conhecer bem muitos trabalhos clássicos, ele manja muito bem das ferramentas modernas, além de ter uma ótima intuição geométrica.

Claro que um cara desses tem muito o que fazer, portanto não dá pra ficar o tempo todo cuidando do orientando né... A gente se encontra quando eu tenho uma dúvida que não tem jeito de eu resolver, aí ele me dá uma força. Então a gente se encontra mais ou menos uma vez por mês. Isso na verdade é bom, já que eu tenho que ir me acostumando a me virar sozinho.

Ele mesmo me deu a ideia da tese de doutorado, indicando os principais artigos pra ler. O negócio é eu completar a classificação das variedades de dimensão 3 que têm "um ponto duplo aparente". O próprio Ciro com outros caras fez parte dessa classificação, o meu trabalho é terminar o serviço.

Vou explicar o que significa "ter um ponto duplo aparente". Vou explicar no caso de curvas, senão o bicho pega... Imaginem uma espiral bem enrolada e espalhada. De quase qualquer lugar que vocês olharem pra ela, dá a impressão que ela se cruza, que ela corta a si mesma. Mas é só uma impressão, por causa de um ponto de vista. É isso que significa, quase sempre tem um ponto que "parece duplo", mas na verdade não é.

Bom, o meu primeiro passo era estudar em detalhes os exemplos que o Ciro e esses outros caras apresentaram no artigo deles. Isso eu finalmente terminei (depois de muito tempo) nessa semana. Em palavras curtas, eu tinha que entender representações desses exemplos. Uma representação é que nem desenhar numa folha de papel um objeto tri-dimensional. Tu pode deixar bem detalhado no papel, mas não fica tão claro quanto o objeto em si.

Eu sabia que o Ciro já tinha um exemplo na manga, que ele sabia que ia aparecer na minha tese e que não estava na classificação deles. Na verdade é um dos temas principais da tese. Faz meses ele diz que no momento oportuno ele ia me falar desse exemplo.

Bem, na última quinta-feira eu fui falar com ele, e disse que tinha terminado o estudo dos exemplos conhecidos. Expliquei um pouco as minhas dificuldades pra encontrar novos exemplos e quais eram as coisas que eu não conseguia entender.

Na matemática, um encontro entre orientador e orientando costuma ser com um dos dois indo no quadro e explicando, enquanto que o outro fica sentado ouvindo e opinando. Entre nós dois é diferente. Eu chego na sala, nos cumprimentamos, eu sento e ele fala: "Dimmi tutto". Aí eu começo a falar. O assunto está completamente frio pra ele, então ele pensa alguns segundos (que são o suficiente para entender o que eu não entendo em semanas) e começa a me explicar tudo. Tudo falando, não pegamos um papel, não escrevemos nada. Ele fala eu vou dizendo se entendo ou não, ou o contrário. Tem muito argumento geométrico, então não precisamos fazer muitas contas. Algumas vezes ele teve que recorrer ao papel (e fez bom uso, explicou direitinho).

Então nessa quinta uma hora ele disse: vou te falar do exemplo não publicado. Eu peguei faceiro um papel e  uma caneta, pronto pra anotar tudo. Aí ele começou a falar da representação do exemplo (o desenho no papel do que não cabe no papel), eu complementei (porque eu tinha feito em casa e tava com o negócio quentinho na cabeça) e ele disse: "é isso".

Ã?

Eu fiquei com a minha folha em branco na frente e perguntei: "Mas não se conhece nada da geometria desse exemplo?". E ele: "Não, isso é o que tu vai descobrir pra tese."

Moral, eu achava que o negócio era mais ou menos conhecido, mas eu que vou ter que entender. Tipo, eu tenho na minha mão um desenho numa folha de papel, e tenho que entender qual é o objeto tri-dimensional que tá desenhado ali.

Então acho que está pra começar mais uma fase difícil do meu doutorado. Eu ia dizer que é a mais difícil, mas muito difícil é também não ter certeza se vai ter um bom orientador, não ter assunto pra tese, ter que estudar o que não se gosta... Cada fase no começo parece a mais difícil, mas pouco a pouco a gente vai abrindo caminho.

A minha bolsa é até outubro de 2012, então espero ter tudo a posto até lá. Torçam por mim e pra eu entender todos as "viariedades"!

2 comentários:

  1. Vital, obrigado pela explicacao "for dummies", ja da pra ter uma ideia melhor do que se trata a sua tese.

    Eu fico aqui imaginando esses encontros de voces 2, devem ser muito legais! Eu bem que gostaria de ver um desses qualquer dia!

    Parabens pela determinacao e pela "transpiracao". Eu sei que essa nova fase da sua tese que esta se iniciando sera muito dificil, mas tenho certeza que sera otima para o seu desenvolvimento como cientista louc... quer dizer, como matematico especializado em geometria algebrica.

    Um abraco da fria Bruxelas,
    Rodrigo (e Cibele e Helena)

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  2. Então: apenas uma variedade 3 ou maior pode ter pontos duplos aparentes...?

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